O carro fazia um barulho estranho.

Talvez fosse o motor. Ou talvez fosse eu a precisar de uma afinação interna.

Há meses que carrego este zumbido por dentro. Uma vibração surda. Um calor baixo que não se dissipa, apenas se arrasta, como uma língua de fogo esquecida.

Levei o carro à oficina, porque não sabia mais onde mexer.

O rapaz era novo, mãos largas, olhar seguro. Quando me viu, hesitou. Fitou-me nos olhos — por tempo suficiente para me despir, por dentro. Depois, baixou o olhar para a minha boca.

“Vai demorar um pouco,” disse.

“Não há problema.” Sorri. Fiquei.

Sentei-me ali, com as pernas cruzadas, o casaco aberto o suficiente para o acaso trabalhar por mim.

Só para ver se ele reparava.

Reparou.

Não disse nada. Não se aproximou. Mas demorava-se debaixo do capô mais do que o necessário. E eu sabia.

Não aconteceu nada. Nada que se possa escrever com detalhe.

Só o som seco do capô a fechar. E o silêncio espesso entre duas respirações.

Voltei a casa.

O meu marido nem perguntou se estava resolvido.

Estava. Pelo menos, por dentro.

Havia finalmente uma parte de mim… que deixara de ranger.

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