Trabalho em casa. O meu marido também.
Partilhamos o mesmo espaço, a mesma rotina, o mesmo silêncio. Um silêncio que já não é confortável — é espesso, pesado, como se os dias passassem por nós sem nos tocar.
Hoje, vesti o vestido roxo. Aquele que ele já nem nota. Sem soutien. Só porque sim.
Ou talvez porque queria sentir alguma coisa. Desejo, talvez. Ou apenas a memória dele.
Quando o porteiro tocou à campainha com a encomenda, abri a porta sem pensar. Ele ficou parado. Os olhos prenderam-se por um segundo a mais do que o necessário. Desceu-os. Depois voltou a subir.
“Bom dia”, disse ele, a voz rouca, raspando como papel de lixa em pele nua.
“Obrigada”, respondi, com um sorriso lento que já não usava há demasiado tempo.
Fechei a porta com cuidado. O som ecoou-me na espinha.
Sentei-me na cadeira, na mesma de sempre, com o portátil à frente e o coração a martelar nas costelas. Não fiz nada. Mas tudo em mim vibrava.
Só pensei: “Será que ele percebeu o que viu?”
À tarde, fui tomar banho.
Demorei mais tempo do que o habitual. Toquei-me como quem acende um fósforo. E quando a água quente escorria pelo corpo, percebi… não era o porteiro que me fazia arder.
Era o facto de finalmente alguém ter visto.